“Comendo LIXO” – ( do verbo COMER).

Comendo Lixo

Comendo Lixo

“Porque as pessoas que estudam precisam usar o lixeiro. Jogar lixo no chão não pode. Amanhã ensinar as crianças que se jogar lixo no chão precisa varrer, ajudar. Elas entendem que para ficar limpo precisam jogar lixo no lixeiro. Certo e importante. As pessoas jogam lixo na rua. A chuva leva o lixo e os meninos com fome pegam para comer lixo sujo. É preciso manter limpo. Acabou!”

Pessoas comendo Lixo no centro do Rio de Janeiro.

Ao cair da noite no centro do Rio de Janeiro, duas mulheres remexiam restos de comida em sacos de lixo deixados do lado de fora de um restaurante. Tinha visto aquela cena muitas e muitas vezes durante a vida. Passei por aquelas pessoas como sempre fiz, como todos fazem, todos os dias. Mas hoje foi diferente

- Parei.

Me deti por um momento, decidi dar meia-volta. Fui conversar com elas.
Me apresentei, disse que desejava tirar umas fotos. Desconfiadas a princípio, acabaram por concordar.

A repugnância da cena me distraiu completamente. Só pensava em registrar tudo aquilo através de imagens. Lembro de pouca coisa de nosso diálogo. Disseram morar longe e que toda semana cumpriam um ritual: separavam o que deveria ser consumido por cães e porcos e o que poderia servir de alimento para elas e suas famílias.
Um absurdo tão grande que em certo momento pensei em lhes perguntar se estavam mesmo dizendo a verdade.

Que completo idiota eu sou, pensei. Acabei esquecendo de filmes como “Ilha das Flores” e “Cronicamente Inviável”. Gente que come lixo é um fato!

Terminei com as fotografias, e elas com a tarefa de ensacar aquela mistura repulsiva. Não consegui guardar na memória seus nomes, mas aquele momento eu levarei comigo até o fim da vida. Nem pude me despedir com um beijo no rosto ou um aperto de mão. Isso me constrangeu e me machucou. Fui embora com o estômago revirado e só pensava em vomitar e revelar o filme.

Dessa estória um detalhe importante me ocorreu. Apesar do odor revoltante daquela comida azeda, elas não demonstravam sentir nojo do que estavam fazendo. Acabaram se acostumando a comer lixo.
E os transeuntes que sempre passam por alí apressados acabaram se acostumando a ver pessoas comendo lixo. Afinal, comer lixo é ainda melhor do que não comer nada, não é?

Fico pensando nesses transeuntes.

Parecem que somente se dão conta da tragédia que se espalha pelas calçadas quando a vêem numa confortável sala de projeção de algum centro cultural ou espaço de cinema. E essa consciência parece cessar assim que põem os pés no asfalto. Se sensibilizam com o drama projetado na tela, mas recusam-se a aceitá-lo em sua versão original nas ruas.

Pior que uma sociedade apodrecida, é o perigo de nos acostumarmos com o fedor dela…

Comentários dos observadores…

“Loucura é ver a fome e achar normal, loucura é a desigualdade social, loucura nao é lutar por um ideal…loucura…
üma resposta aos que me chamam de louco no dia dia…

Impressionante. A gente vai se acostumando com a miseria, a dor e a morte e tem que se ressenssibilizar.
Capitalismo é foda!

a minha nao-participacao
M.Delarue 08/04/2001 01:53

Realmente, pessoas comerem lixo ou não comerem nada é um fato.
E bastante pertinente é o comentário de que nós geralmente nos sensibilizamos “com o drama projetado na tela, mas recusam-se a aceitá-lo em sua versão original nas ruas.”

O embrutecimento e a falta de ligação com a realidade pode ser sentida não apenas na dicotomia da falsa vida das telas x vida real, como também entre o discurso politico, as teorias e intenções versus a ação direta prática e cotidiana. Não estou defendendo o assistencialismo ou qq coisa do tipo (embora considere melhor matar a fome de alguém do que não fazer nada ou saciar apenas seu apetite intelectual). Acontece que muitas vezes eu me pego ignorando a miséria ao meu lado ou agindo contra meus principios.

Eating ate the Dump

Eating ate the Dump

Miséria Humana

Ó miséria humana
Que te alimentas do ódio
És dor que racha o peito
Daquele que mergulha no lodo
Para salvar o irmão do ópio.

Ó miséria humana
Que te alimentas do terror
És dor que despedaça a alma
Daquele que procura
A Luz, o Caminho e o Amor.

Ó miséria humana
Que te alimentas da ignorância
És dor profunda
Daquele que já transpôs
Os meandros da ilusão
E se transfigurou
Numa Luz em abundância.

Ó miséria humana
Que te alimentas da separação
Não existe uma razão
Para que tu me faças sofrer,
Pois o tu e o eu não existe
Só o Uno consiste
Para lá do ter.

Ó miséria humana…
Espero que um dia
Possas vir morrer á fome.